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História nº 34: A volta repentina por causa do coronavírus

Fomos para o Japão em 1997. Minha irmã com 26 anos e eu com 18. Como o Massao, marido de minha irmã, estava trabalhando numa fábrica em Toyohashi fazia meio ano, nós procuramos trabalho na mesma cidade para não ficarmos separados. Por fim, a minha irmã arrumou serviço numa padaria e eu numa loja de produtos brasileiros.

O tempo passou e em 2008 a minha irmã, seu marido e os dois filhos retornaram ao Brasil. Nessa época, meus pais moravam nos arredores de São Paulo, mas cinco anos depois, meu pai faleceu e minha mãe foi morar na casa de minha irmã.

Meu cunhado comprou uma grande casa de dois andares, reformou o primeiro andar e abriu ali uma mercearia para o sustento da família. O casal trabalhava o dia inteiro no comércio, a minha mãe tomava conta dos netinhos e ajudava nas tarefas domésticas, todos viviam bastante ocupados.

Eu por minha vez, trabalhava na loja de produtos brasileiros e ao mesmo tempo estudava para obter o certificado de cabeleireira. Feito isso, mudei-me para a cidade de Hamamatsu para trabalhar num salão de beleza.

Quando estava com 28 anos, reencontrei em Hamamatsu um rapaz nikkei do Peru chamado Hugo que eu tinha conhecido em Toyohashi; começamos a namorar e um ano depois nos casamos. Como nós dois temos muitos parentes, o casamento foi realizado no Brasil e a viagem de lua de mel foi para o Peru. Fomos muito abençoados por um grande número de pessoas, o que nos fez pensar que foi muito bom termos ido trabalhar no Japão e nos conhecido lá.

Eu e meu marido visitamos o Brasil quando nosso filho estava com 4 anos. Depois disso, viajei levando meu filho somente uma vez, porque com o menino entrando na escola ficou difícil nos deslocar para longe. Não deu mais para ir ao Brasil, mas com a facilidade do telefone eu pude me comunicar facilmente com a família e foi o que me ajudou. Nas conversas com a minha mãe ela sempre esquecia da hora e ficava contando as coisas que aconteciam na família como se fosse uma novela de TV.

Acontece que dois meses e meio atrás ela disse: “Coisa terrível! Agora no hospital. O Massao san...” e o telefone foi desligado. Liguei várias vezes, mas ninguém atendia. Se estão cumprindo o isolamento domiciliar devido ao coronavírus, ou a minha sobrinha ou o meu sobrinho deveriam atender.

Será possível?! O jeito da minha mãe falar me deu um alerta! Comecei a ligar para os parentes, um após outro. As notícias recentes diziam que o número de infectados no Brasil aumentava a cada dia e que a situação estava crítica, então fiquei muito preocupada. Duvidei, mas foi aí que eu soube que o meu cunhado fora infectado e estava hospitalizado.

Que o seu quadro clínico não se agrave e que fique bom logo, ele que sempre foi cuidadoso com a saúde – tentei me tranquilizar -, mas 10 dias depois recebi a notícia de que Massao havia falecido. Por ter sido em consequência do coronavírus, seu corpo foi levado diretamente ao crematório e foi uma triste despedida, sem a presença da esposa e filhos.

Fiquei em pânico! O quê? A mana e os sobrinhos não foram? O que aconteceu com eles, meu Deus?

Fiquei feito barata tonta sem saber direito o que fazer. Então. o meu marido comprou passagem e, mais do que depressa, embarquei para o Brasil.

De volta ao Brasil, fiquei sabendo que esses dois meses tinham sido terríveis. Apenas 5 dias depois que Massao foi internado, a minha irmã e os dois filhos também foram hospitalizados. Massao teve morte repentina e quem cuidou de tudo foi o meu irmão, acima de nós.

Desde então a minha mãe estava morando na casa do meu irmão, mas com a minha chegada, ela começou a dizer que queria voltar para a casa dela. A casa espaçosa onde a nossa família viveu e que, depois que a minha mãe foi para a casa de minha irmã, esteve desabitada. Levamos 3 dias para fazer a limpeza e depois a minha mãe começou a viver uma nova vida lá.

Como eu fui para o Japão logo que terminei o ensino médio, foi muito pouco o tempo que passei junto com minha mãe e me sentia culpada por isso. Essa era uma oportunidade única para recuperar o tempo perdido! Assim, comecei a fazer pequenas coisas para a minha mãe: preparar uma bela comida, pintar os seus cabelos, fazer massagem para relaxar costas e ombros, etc.

Os discos de Missora Hibari que ouvíamos em família e as novelas japonesas gravadas em fita VHS, minha mãe e eu estamos apreciando como se fosse pela primeira vez e nos divertindo muito. A maior alegria para mim agora é ver o sorriso de minha mãe.

Minha irmã e minha sobrinha já tiveram alta e estão se recuperando em casa. O sobrinho segue internado e nós estamos orando pela sua recuperação.

O meu marido, que ficou lá no Japão, fechou por uns tempos o salão de beleza e está curtindo o tempo que passa com o nosso filho dentro de casa, o que me deixa bastante feliz.

Daijoubu1. Tem jeito pra tudo.” – dizendo assim, minha mãe passa os dias da maneira que mais lhe agrada: de manhã cuida das plantas e prepara o almoço, à tarde se ocupa com trabalhos manuais e à noite assiste à TV, ouve música. Diante de uma situação como a que estamos vivendo agora, se nós encararmos tudo com sentimento de insegurança, nada de bom vai acontecer. É o que tenho aprendido da minha mãe.

Nota: 1. Expressão que significa “Tudo está certo. Tudo bem”.

 

© 2020 Laura Honda-Hasegawa

Brasil COVID-19 dekasegi ficção Nikkeis no Japão pandemias trabalhadores estrangeiros
Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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