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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2021/10/13/nihongo/

Minha relação com o Nihongo

Creio que a maioria dos nikkeis, desde pequenos tiveram contato com o nihongo, ou melhor, “colônia-go”. 

É uma espécie de dialeto próprio dos nikkeis no Brasil, onde se tem uma mistura de português com nihongo e este nihongo também vem carregado com as peculiaridades das várias regiões do Japão de onde vieram os imigrantes (hougen), criando uma linguagem e estilo próprios, que não se encontra nos livros, mas estranhamente conseguimos nos entender com muita facilidade.

Tenho muita curiosidade de saber se os outros países onde houve a imigração japonesa, têm seu próprio “colônia-go”.

Por ser nissei, meus pais sempre fizeram questão de que eu e meus irmãos não perdêssemos o contato com as nossas origens japonesas, colocando-nos em escolas de nihongo ou com os livros e mangás japoneses comprados na antiga livraria Takano na Liberdade, brinquedos e roupas que a Batian do Japão nos mandava.

Imaginem como deve ter sido complicado em plena década de 70 e 80! Na época, não dávamos valor a isso, mas hoje sou muito agradecido a eles.

Meu pai é issei que imigrou em 1962 junto com os meus avós e minha mãe é nissei. E por causa deles é que veio o meu interesse por línguas estrangeiras. Meu pai teve que aprender português para que pudesse trabalhar ajudando as empresas japonesas a se estabelecerem no Brasil e minha mãe estudou nihongo quase que como autodidata, para que pudesse se comunicar com meu pai e ajudá-lo no trabalho.

Minha educação começou numa escola típica japonesa chamada Mutsumi Youtien, onde a grande maioria dos alunos era de filhos de japoneses expatriados, os professores eram japoneses e as aulas eram semelhantes aos do youtien do Japão.

Mutsumi Youtien em 1976

Porém, por estarmos no Brasil e sermos brasileiros, do primário à faculdade, entramos nas escolas locais. Para mim, subir do youtien para o primário, foi um choque bastante grande, pois quase não conseguia compreender ou comunicar-me em português.

Acho que daí que veio meu bloqueio no aprendizado do nihongo, não adiantando minha mãe me colocar em escolas de nihongo do bairro ou tendo professoras particulares, que eu não conseguia evoluir, bem como o envolvimento com a comunidade nikkei. Meu relacionamento ou era com gaijins (como chamávamos os não nikkeis) ou com os nihonjins (japoneses do Japão).

Foram muitos anos assim...

A volta do interesse pelo nihongo veio quando estava na Faculdade de Direito, onde queria me tornar um advogado especializado em empresas japonesas e, para isso, precisaria aprender o nihongo. Estudei na Aliança Cultural Brasil-Japão até o nível avançado, inclusive com o 3kyu (nível 3) no Nouryokushiken (Exame de Proficiência Japonesa – JLTP).

Meu pai, ao ver meu esforço, propôs estudar nihongo no Japão como ryugakusei. Ele propôs que eu trancasse a faculdade no 4º ano e fosse ao Japão por 1 ano. Isso no começo da década de 90, sem Internet e outros meios de busca de informações e, com a ajuda da Batian do Japão, achamos uma escola chamada Kanda Gaigo Gakuen.

Formatura em Kanda Gaigo Gakuin em 1993

Como não frequentava a comunidade nikkei, não usei a bolsa do kempi ryugaku ou do mombusho, pois achava que não teria este direito e meu pai acabou arcando com o ryugaku.

Como tinha o 3kyu, achava que sabia muito o nihongo. Doce ilusão! É muito diferente estudar nihongo no Japão, principalmente para países hikanjiken (países que não adotam o kanji) e estrutura gramatical totalmente invertida do português.

Mas com a competição saudável entre os alunos dentro da escola, do apoio dos colegas e amigos, dos professores e principalmente da minha avó, consegui superar as barreiras multiculturais e de língua, falta da família e amigos, o que antes significava isolamento e home sick, tornou-se o meu segundo lar.

Para falar com os amigos da escola, a única língua em comum era o nihongo e, conforme melhorava o meu nível de nihongo, eu conseguia ter mais liberdade para passear, viajar, sair e beber com os amigos, alugar um apartamento e morar sozinho e fazer arubaito.

Visita à Professora Kazuko Oniki em Sanno Junior College em 2018

Gostei tanto dessa vida que o que era para ser 1 ano, se tornou 2 anos. Como a meta era o 1kyu, se eu conseguisse, teria que voltar. Então, meio que de propósito, não passei para poder ficar mais 1 ano. Mudei de escola, para Sanno Junior College. E no final, passei no 1kyu e antes de pedir para continuar a estudar no Japão, meu pai exigiu meu retorno para terminar a faculdade.

Voltando para a faculdade, tive um outro choque. Tentava anotar tudo e tentar me lembrar do que tinha aprendido nos anos anteriores, tinha que estudar mais que os outros. E lembro que uma vez, uma colega pediu meu caderno de notas e me falou que não entendia o que estava anotado.

Refletindo depois, nos anos que fiquei no Japão, praticamente não falava ou escrevia português. Lembrando que era nos anos 90, era carta e ligação internacional, início da imigração de Dekasseguis, não havia a estrutura que temos hoje para estrangeiros e foi isso uma das causas.

Porém, superado isso, ao invés de seguir o caminho de direito, preferi optar pelo caminho de executivo de finanças, sempre voltado à utilização do nihongo. E o nihongo acompanhou minha carreira, minha vida, pois me casei com uma japonesa, minhas filhas são japonesas e inclusive para tomar decisões importantes como de nos mudarmos para o Japão.

A primeira vez foi para que minhas filhas nascessem aqui e, agora, para que elas continuassem os estudos em escolas e universidades japonesas.

Atualmente, estou estudando para aperfeiçoar as técnicas de tradutor e intérprete legal para poder atuar num campo em que existe bastante defasagem aqui no Japão.

Entendo que cada pessoa é diferente das outras e com interesses diversos em relação ao nihongo. Para mim, teve um papel importante em minha vida. Mas questionando amigos, irmãos, primos, parentes, cada um tem seus motivos para preferir outras línguas a aprender o nihongo. E o motivo que mais escuto foi por causa da guerra, quando aprender o nihongo era proibido. E por isso, não foi levado em consideração como uma segunda ou até mesmo uma terceira língua para a maioria das pessoas da geração mais antiga. Esquisito escutar isso depois de quase 80 anos do final dela.

Mas o bom é que os tempos mudaram e por causa da popularização da cultura japonesa de anime, manga, culinária, muitas pessoas voltaram seus interesses para aprender o nihongo. Sendo um ponto muito positivo para nós, nikkeis. Além dos kaikans das comunidades do interior incentivarem os jovens a estudarem o nihongo.

A meu ver, é o que precisamos para que a cultura japonesa e a criação de mais fãs do Japão possam ser cada vez mais difundidas ao redor do mundo.

 

© 2021 Antonio Kotaro Hayata

Brasil Coloniago Japonês línguas
Sobre esta série

O tema da 10ª edição das Crônicas NikkeisGerações Nikkeis: Conectando Famílias e Comunidades—abrange as relações intergeracionais nas comunidades nikkeis em todo o mundo, tendo como foco especial as emergentes gerações mais jovens de nikkeis e o tipo de conexão que eles têm (ou não têm) com as suas raízes e as gerações mais velhas. 

O Descubra Nikkei aceitou histórias relacionadas ao Gerações Nikkeis de maio a setembro de 2021; a votação foi encerrada em 8 de novembro. Recebemos 31 histórias (21 em inglês, 2 em japonês, 3 em espanhol e 7 em português) da Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Japão, Nova Zelândia e Peru. Algumas foram enviadas em múltiplos idiomas.

Solicitamos ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas histórias favoritas. Nossa comunidade Nima-kai também votou nas que gostaram. Aqui estão as favoritas selecionadas pelo comitê editorial e pela Nima-kai! (*Estamos em processo de tradução das histórias selecionadas.)

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About the Author

Antonio Kotaro Hayata nasceu em São Paulo, capital, graduado em Direito pela PUC-SP com MBA em Finanças pela FIA/USP. Hoje está no Japão, trabalhando na Kyodai Remittance, responsável pelo mercado do Brasil e Nikkei Network e em paralelo como tradutor e intérprete legal. Advogado por formação, mas financista por opção, levou uma carreira quase totalmente voltada para instituições financeiras, sempre tendo o Japão como pano de fundo. Amante de esportes em geral, praticante de corrida de rua e futebol, com a pandemia da Covid-19, descobriu uma nova paixão que é o ciclismo de estrada.

Atualizado em outubro de 2021

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