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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2022/6/17/food-for-thougt/

Alimento para a Mente – TikTok & Tamagoyaki

Como qualquer bom membro da Geração Z americana, fiz um bom número de TikToks desde que baixei o aplicativo pela primeira vez há dois anos. Na maior parte, eles são bobos e corriqueiros, tendo sido gravados principalmente para os meus “impressionantes” 45 seguidores – na maioria amigos da escola.

Apesar de insignificante em comparação com os milhões e até bilhões de visualizações que os maiores usuários (muitas vezes chamados de “criadores de conteúdo”) recebem regularmente, o TikTok mais popular que já fiz foi, curiosamente, um vídeo de um minuto com o meu pai e eu fazendo tamagoyaki.

Até quando eu finalmente privei o vídeo, ele havia recebido um pouco menos de 2.000 visualizações. Mas mesmo com essa audiência relativamente baixa, as pessoas não deixaram de comentar ou tomar parte nas discussões.

“Eu adoro tamagoyaki, que a minha mãe fazia o tempo todo! eu recomendo adicionar cebolinha e um pouco de presunto, fica tão bom”, um comentário, no estilo gramatical da Internet, sugeriu amistosamente.

“Isso tem a aparência tão incrível!! Nunca vi algo cozinhado assim”, disse outro.

Mas o comentário que mais chamou a minha atenção não foi de empolgação ou interesse em comum. Também não foi especialmente malicioso ou cruel. Dizia apenas: “Eu jamais poderia comer meus ovos escorrendo desse jeito”.

Eu não teria dado mais do que dois segundos de atenção a esse comentário se não fosse algo que eu já tinha visto antes em outros textos sobre a comida japonesa.

Obviamente, cada pessoa tem as suas próprias preferências culinárias. Eu não sou uma grande fã de sekihan e acho natto comível, mas nem de longe é uma coisa que eu sinta vontade de saborear. Ainda assim, tem uma coisa que incomoda, que é irritante nesses tipos de comentários. No mínimo, eles me chateiam o suficiente para eu notar o seu intento e frequência.

“Isso não é macio, é cru”, disse um comentarista em um vídeo de um chef preparando omurice.

“Ovo cru nãão nãão” e “DE JEEEITO NENHUM”, diziam outros dois comentários em dois vídeos diferentes sobre como fazer tamago kake gohan. Mesmo o sushi, um dos pratos mais populares e famosos do Japão, continua a ser alvo de comentários sarcásticos.

Vale assinalar que comentários dessa natureza não são dirigidos apenas à comida japonesa. Infelizmente, a culinária do leste asiático como um todo atrai esse tipo de atenção que vai da cáustica à racista.

“Parece horrível” e “que coisa mais sem graça” são dois comentários deixados em um tutorial que mostra como fazer arroz caldo filipino, que é um mingau de frango com arroz.

“Foi assim que a Covid começou”, é o que diz um comentário deixado em um vídeo de um homem comendo jokbal, um prato coreano de patas de porco refogadas.

A Internet gera uma nova categoria de maldade, a qual pode ser digitada sem ser dita. Detrás da tela, as pessoas têm ao seu dispor a liberdade de se transformar em seres anônimos, escondidos por trás de nomes de usuário inventados ou endereços IP ocultos.

No caso dos criadores do leste asiático e da “diáspora asiática”, o ato de compartilhar online a cozinha da sua cultura pode atrair comentaristas insensíveis e persistentes; as suas palavras servindo como um eco amplificado das gozações e das expressões faciais de desprezo e nojo que podiam ser vistas no refeitório da escola.

No entanto, é preciso dizer que a mídia social é intrinsecamente paradoxal. As áreas de comentários dos vídeos mencionados acima foram na grande maioria inundadas com comentários positivos e encorajadores.

Mesmo os comentários antipáticos acabaram sendo inundados com respostas contendo reprimendas e correções. De fato, na maioria das vezes os comentaristas estavam ansiosos para defender o significado cultural de um prato – mesmo sem fazer parte da cultura em questão.

Com respeito à minha própria postagem no TikTok sobre o tamagoyaki e o comentário acompanhante – "Eu jamais poderia comer meus ovos escorrendo desse jeito" – um outro comentarista foi gentil o suficiente para explicar que o ovo “é cozido no processo, escorre no começo para que se misture com os ingredientes".

As plataformas das redes sociais são cruéis – uma característica quase que esperada no momento que o anonimato se torna uma opção. Do assédio online ao doxing e ameaças de morte, o mundo cibernético tem o odor de toxicidade digital.

Mas os comentários simpáticos continuam a brilhar, e então fica claro que nem tudo é completamente bom ou ruim.

“Isso tem a a aparência incrível!! Nunca vi algo cozinhado assim”. Li esse comentário mais uma vez. E novamente eu senti aquele calorzinho agradável por dentro.

* Este artigo foi publicado originalmente no Rafu Shimpo em 4 de junho de 2022.

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial selecionou este artigo como uma das suas histórias favoritas da série Itadakimasu 3! A Comida, Família e Comunidade Nikkei em inglês. Segue comentário.

Comentário de Gil Asakawa

Adorei todos os artigos em inglês da série Itadakimasu 3! por diversas razões. Mas o meu favorito dentre os artigos enviados foi “Alimento para a Mente – TikTok & Tamagoyaki”, um ensaio da estudante de jornalismo Kyra Karatsu, publicado originalmente no Rafu Shimpo [jornal nipo-americano baseado em Los Angeles] em junho de 2022. Ela é uma yonsei nipo-alemã que escreveu uma série de perspicazes histórias para o Descubra Nikkei sobre o seu senso de identidade, família, cultura e história japonesa que valem muito a pena ler e absorver.

No seu texto, Karatsu escreve sobre a afinidade da sua geração com as redes sociais, especialmente o TikTok, cujos vídeos podem viralizar incrivelmente. Ela observa que tem apenas alguns seguidores do seu conteúdo e explica que a sua postagem mais vista é um vídeo de um minuto no qual ela e o seu pai fazem tamagoyaki; o vídeo recebeu somente 2.000 visualizações (número irrisório para os padrões dos mais famosos criadores de conteúdo), mas contou com comentários super entusiasmados desses espectadores.

Ela reconhece que o vídeo acabou recebendo uma grande quantidade de comentários positivos, mas cita alguns dos sentimentos negativos e concebe o seu ensaio sobre a comida ao incorporar elementos da atual onda de preconceito anti-asiático, escrevendo: “A Internet gera uma nova categoria de maldade, a qual pode ser digitada sem ser dita.”

A franqueza e clareza de Karatsu fazem com que este artigo sobre a alegria de preparar tamagoyaki (e de não ser fã de natto ou sekihan) se transforme numa intrigante ponderação sobre a tecnologia moderna e a justiça social. Ela terá uma ótima carreira como jornalista e pensadora cultural, o que é uma expectativa empolgante para a comunidade nikkei.

Só para constar, eu adoro sekihan e natto… e, é claro, tamagoyaki!

 

© 2022 Kyra Karatsu / Rafu Shimpo

Sobre esta série

O tema da 11ª edição das Crônicas Nikkeis—Itadakimasu 3! A Comida, Família e Comunidade Nikkei—aborda algumas perguntas, entre as quais: Como os pratos que você come servem para conectar a sua comunidade nikkei? Que tipos de receitas nikkeis foram passadas de geração em geração? Qual é o seu prato japonês e/ou nikkei favorito?

O Descubra Nikkei solicitou histórias relacionadas à comida nikkei de maio a setembro de 2022. A votação foi encerrada em 31 de outubro de 2022. Recebemos 15 histórias (1 em português, 8 em inglês, 6 em espanhol e 1 em japonês) do Brasil, Canadá, Peru e Estados Unidos, sendo que uma delas foi enviada em vários idiomas.

Pedimos ao nosso comitê editorial que selecionasse as suas histórias favoritas. Nossa comunidade Nima-kai também votou nas histórias que gostaram. Aqui estão as suas escolhidas!

A Favorita do Comitê Editorial


Escolha do Nima-kai:

Para maiores informações sobre este projeto literário >> 


*Esta série é apresentado em parceria com:

     

     

 

Confira estas outras séries de Crônicas Nikkeis >>

Design do logotipo: Jay Horinouchi

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About the Author

Kyra Karatsu nasceu e foi criada em Santa Clarita, na Califórnia. Atualmente, ela é estudante do primeiro ano de Jornalismo no College of the Canyons em Valencia, Califórnia, e espera se transferir para uma universidade após receber o seu diploma de Associate in Arts [concedido em "colleges" de dois anos de ensino superior]. Kyra é uma yonsei nipo-alemã, e gosta de ler e escrever sobre as experiências dos asiático-americanos.

Atualizado em janeiro de 2021

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