Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2022/6/6/familias-nikkei-en-cusco/

Famílias nikkeis em Cusco

Sacsayhuamán, 1941. Michika Kawamura, no meio. À esquerda, Mikio Motohashi, imigrante japonês. À direita, um amigo cusqueño não identificado. (Arquivo da família)  

Os primeiros imigrantes japoneses chegaram no Peru para trabalhar sob contrato em fazendas nas regiões costeiras. Esta deslocação foi efetuada em um esquema restrito e temporário, com o apoio dos governos de ambos os países.

Apesar disso, como ocorre frequentemente, a realidade acabou ditando as regras e embaralhando os planos. Os japoneses abandonaram as fazendas – após o término dos seus contratos ou ao fugir de abusos – e na sua maioria se mudaram para Lima, onde abriram estabelecimentos de comércio.

Os destinos de outros foram as províncias do Peru. Os mais aventureiros se dirigiram para a selva ou Cusco. Um destes foi Michika Kawamura, que em 1938 partiu do departamento de Arequipa para se estabelecer na mítica capital do império inca onde iria trabalhar no negócio de um parente.

PRESIDENTE ATÉ O FIM

Michika Kawamura se estabeleceu em Cusco, onde formou a sua família. (Arquivo da família)

Michika Kawamura fincou raízes em Cusco. Formou uma família, abriu o seu próprio negócio e se tornou presidente da Associação Peruano Japonesa (APJ) da região.

Quem resgata a sua biografia, construída através de recordações pessoais e das de parentes, é o neto Enrique Kawamura, guia turístico e escritor.

Michika se mudou para Cusco um ano antes de começar a Segunda Guerra Mundial. Como muitos japoneses no Peru, ele teve que se esconder das autoridades que o perseguiam por pertencer ao "lado inimigo". O seu neto relata que ele acabou se refugiando no "emaranhado inóspito" da selva. Isso aconteceu por volta de 1941.

Passado o sombrio episódio da guerra, o imigrante japonês construiu a sua vida numa terra que ele adotou como sua e onde transcorreu o resto da sua existência.

Michika se mudou para Cusco a trabalho, mas a cidade poderia ter sido um destino temporário. Por que ele decidiu ficar por lá? O que o deixou tão atraído?

Enrique sugere uma resposta que poderia valer para qualquer estrangeiro que decide construir a sua vida naquele local: "Cusco possui um mistério e um encanto que faz com que as pessoas que não são daqui se apaixonem pela cidade".

Cusco atrai pessoas que procuram se conectar consigo mesmas, com a natureza, com algo que não encontram nas grandes cidades, ele acrescenta.

"Ele encontrou o seu destino aqui", diz ele sobre o seu avô.

Apesar de Michika se sentir como um cusqueño (ele adotou o nome de Marcial), os seus laços com o Japão nem terminaram nem enfraqueceram. Pelo contrário.

Enrique lembra que o seu avô atuava de certa forma como um embaixador japonês em Cusco. Ele era o anfitrião dos japoneses que visitavam a cidade e até os hospedou na sua casa.

Além disso, desempenhou um papel importante na criação da APJ na cidade e foi o seu líder por vários anos.

Michika era uma pessoa muito sociável e amigável; ele era apegado às relações de compadrazgo [responsabilidades como padrinho de batismo ou casamento], a qual é profundamente enraizada no Peru.

Dono de uma sorveteria, o seu círculo social transcendia a área do comércio. Ele pertencia a várias fraternidades e era amigo de artistas, cineastas e fotógrafos, incluindo o lendário Martín Chambi.

Como bom japonês – lembra o neto – ele gostava de pescar. Ele o fazia em lagos, lagoas e no Rio Vilcanota.

A velhice não o afastou do seu dedicado trabalho institucional e cultural. Quando morreu em 1996, ele era presidente honorário da APJ.


MONTANDO QUEBRA-CABEÇAS

Enrique Kawamura, via Zoom.

Enrique Kawamura está empenhado em resgatar e preservar a história dos imigrantes japoneses em Cusco.

Em parceria com uma nikkei cusqueña, a artista plástica Harumi Suenaga, ele vem trabalhando na elaboração de um fotolivro que irá incluir fotografias de várias famílias tradicionais cusqueñas de origem japonesa, como as famílias Kawamura e Suenaga.

Por meio de amigos, parentes, redes sociais e anúncios na mídia, Enrique e Harumi coletaram imagens numa paciente empreitada que sofreu paralisação devido à pandemia e cujos frutos esperam colher este ano, com a publicação do livro.

Ao lado das famílias Kawamura e Suenaga (donos de uma empresa com mais de 60 anos de experiência no setor automotivo), estarão as famílias Nouchi (o patriarca foi o primeiro prefeito de Machu Picchu), Nishiyama (conhecida família de fotógrafos ),Inugai, Omura, Motohashi, Iwaki, e outras mais.

Além disso, também poderão ser encontradas no fotolivro uma linha do tempo e legendas para contextualizar as imagens e orientar os leitores sobre a história dos imigrantes japoneses e os seus descendentes em Cusco.

Apesar de ainda não terem localizado todas as famílias que procuravam (algumas delas não moram mais em Cusco), eles em geral receberam uma recepção positiva entre os nikkeis. "A sorte está sorrindo para nós", comenta Enrique, em alusão ao volumoso material acumulado e ao apoio que receberam dos nikkeis.

Tendo terminado a etapa de coleta de materiais, eles agora estão imersos no trabalho de digitalização das fotos.

"É todo um compromisso", diz Enrique sobre a responsabilidade decorrente da tarefa na qual embarcaram, um trabalho concebido em duas direções: como um reconhecimento aos isseis, uma homenagem aos pioneiros, assim como um testemunho para que as futuras gerações nikkeis conheçam os seus antepassados.

“Estamos tecendo algo bonito”, declara.

A investigação trouxe grandes surpresas. Por exemplo, ver os seus próprios parentes nas fotos de outras famílias nikkeis; no caso dele, o seu avô Michika.

Enrique conta que até a sua tia – filha de Michika – ficou surpresa com as fotos nas quais ele aparece e que ela nunca tinha visto.

Graças a essas felizes coincidências, eles sentem como se estivessem montando um tipo de quebra-cabeça.

"Acho ótimo que exista ordem no caos", ele diz. "Tudo vem se encaixando de forma harmoniosa. Isso é o que é a maior maravilha."

Enrique e Harumi não precisam esperar até o fim para tirar proveito do seu trabalho. O processo em si também traz satisfações. “Mais do que um trabalho de investigação, é um trabalho de surpresas; nos deparamos com algumas alegrias pelo caminho”, ele afirma.

O que os motivou a embarcar nesta aventura?

Enrique comenta que os dois estão muito comprometidos com a cultura dos seus antepassados. Harumi dá forma a essa cultura nas suas obras de arte, enquanto ele, de uma maneira ou de outra, a integra nos seus ensaios ou romances.

"Nós obedecemos a impulsos instintivos que possivelmente estão relacionados ao nosso DNA", explica. “É um chamado; escutamos os nossos ancestrais”.

Enrique sempre se sentiu atraído pela cultura japonesa, pela sua espiritualidade e tradições, pela sua herança cultural milenar.

Para o ex-dekassegui que morou no Japão por cerca de oito anos, o fotolivro é um novo marco na sua trajetória como pesquisador, a qual é indissociavelmente ligada ao país do seu avô. A história e a afeição serão reunidos em um trabalho que, se tudo correr bem, será lançado ainda este ano.

 

© 2022 Enrique Higa Sakuda

Enrique Kawamura famílias fotografia fotografias Harumi Suenaga Michika Kawamura Peru
About the Author

Enrique Higa é peruano sansei (da terceira geração, ou neto de japoneses), jornalista e correspondente em Lima da International Press, semanário publicado em espanhol no Japão.

Atualizado em agosto de 2009

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações