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Resgate das habilidades diplomáticas da Dinastia Ryukyu através das atividades dos Uchinanchu no exterior! Alternativas para a questão da realocação da base militar americana Henoko—Parte 2

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O grande evento que atrai milhares de pessoas do Brasil e do Havaí

Com o anúncio da intenção de candidatura à eleição para governador de Okinawa, que enfrenta os desafios da base Henoko, em frente à Casa Branca, é possível especular uma nova estratégia envolvendo os nikkeis.

No final de outubro deste ano acontecerá o 7º Festival Mundial Uchinanchu. A estratégia é aproveitar a oportunidade para estabelecer network com os americanos descendentes de okinawanos e apelar à questão do Henoko. Dentro dos Estados Unidos.

Este Festival trata-se de um grande evento realizado a cada cinco anos desde 1990, trazendo descendentes de okinawanos de todo o mundo para Naha. O objetivo é criar uma rede de intercâmbio internacional ligando pessoas que possuem qualquer vínculo com Okinawa. Costuma trazer mais de mil pessoas só do Brasil, e mais ainda do Havaí e da América do Norte. 

Governador de Havaí discursando no 5º Festival Mundial Uchinanchu (Cred. Arquivo Masayuki Fukasawa)

Tive a oportunidade de cobrir o evento em 2011, na 5ª edição do Festival. O governador do Havaí da época, Neil Abercrombie, até fretou um avião com os descendentes okinawanos para juntos chegarem em Naha.

Em seu discurso, ele expressou sua proximidade com os descendentes de okinawanos dizendo que “quando era pequeno, pensava que ‘Kanashiro’ era um sinônimo de restaurante”. Nessas suas palavras, que levou o público ao riso, era notável o sentimento de fraternidade que existe entre havaianos e okinawanos, por igualmente serem “shimanchu”, povo da ilha, do oceano pacífico.

A presença havaiana se destacava em vários momentos do Festival. O país com o maior número de participantes era o Brasil, com cerca de mil, mas só do Havaí tinha quase o mesmo número e ainda fretaram dois aviões. Pergunto-me o que causa tanta identificação e proximidade entre esses dois povos.

Quando o presidente da época do jornal Hawaii Pacific Press, Kazuo Nakamine, relatou no fórum internacional “Comunidades de imigrantes vistas por jornalista da imprensa nikkei em país estrangeiro” que “a percentagem de descendentes e japoneses na população total do Havaí caiu para 28%”, fiquei desacreditado.

Então perguntei “quanto era a porcentagem na época do auge” e ele respondeu que “quando eclodiu a Guerra do Pacífico, os nikkeis constituíam 44% da população total do Havaí, praticamente a metade”. Sem dúvidas era o grupo étnico dominante, e ainda hoje representa um terço da população. Possivelmente, o governador do Havaí já reconhecia os okinawanos como a comunidade central dentro deste grupo étnico dominante e por isso fez questão de participar deste Festival.

Se assim for, podemos pensar em formas de lutar em conjunto com eles. O “problema da base” não é só de Okinawa, mas também atinge os povos de dentro dos EUA, como os de Havaí e de Guam. Poderíamos nos juntar com os próprios americanos para protestar contra Casa Branca. Seria uma grande ajuda se conseguíssemos que os uchinanchus americanos atuassem como lobista e/ou coordenador deste processo.

E de fato, de acordo com um artigo publicado no site do Ryukyu Shimpo, no dia 17 de setembro de 2015, o Conselho Municipal de Berkeley, em Califórnia, aprovou por unanimidade uma resolução contra a construção da nova base em Henoko, solidarizando-se com o povo de Okinawa, na noite de 15 de setembro.

Vale lembrar ainda que em 2018, Robert Kajiwara, um nipo-americano de quarta geração residente no Havaí, coletou mais de 160 mil assinaturas para uma petição entregue à Casa Branca manifestando a oposição à construção da nova base em Henoko.

Devemos organizar mais movimentos como estes de forma mais sistêmica para sacudir os Estados Unidos de dentro para fora. Se uma força-tarefa de cerca de 20 funcionários com cargo de nível burocrata do governo central for formada na prefeitura para desenvolver e implementar uma estratégia para influenciar a opinião pública dos EUA, surgirão novas oportunidades.

Esta maneira é exatamente como os grupos judeus, coreanos e chineses que querem influenciar a opinião pública americana estão fazendo. Pergunto-me por que o Japão também não faz.

Ainda me lembro claramente que quando passei pela casa dos meus pais em Shizuoka, logo após o Festival, ninguém sabia que este evento estava sendo realizado. Mesmo sendo um evento internacional tão grande, na época, a mídia local não dava a mínima importância, quando na verdade, tem um tremendo potencial.

Show de abertura do 5º Festival Mundial Uchinanchu (Cred. Arquivo Masayuki Fukasawa)


Realização do Festival Mundial Uchinanchu em Havaí

Dizem que a política do Festival Mundial Uchinanchu não permite trazer questões políticas que podem bipolarizar a população okinawana. Entretanto, em relação à questão Henoko, cerca de 70 a 80% da população expressam claramente sua oposição. Então poderiam abrir uma exceção.

Ao sugerir a realização da próxima edição do Festival em Havaí, para demonstrar a presença okinawana dentro dos EUA, Shimoji respondeu que “daqui para frente precisamos sim investir em estratégias como essas”. “Não devemos pensar em diplomacia de dentro do Japão para fora, mas aproveitar as nossas relações que se estendem pelo mundo afora, para conduzir uma nova forma de diplomacia”, afirmou claramente.

As ações dos hegemônicos EUA influenciam o mundo inteiro. Na última guerra, ocorreu a tragédia que 6.500 imigrantes japoneses, principalmente de ascendência okinawana, residentes em Santos no Brasil, foram despejados, sendo obrigados a desocuparem suas casas dentro de 24 horas. Dizem que o governo americano estava por trás disso.

Teve até nikkeis peruanos que foram levados para os EUA e encarcerados junto com os nikkeis americanos durante a Grande Guerra.

Quando apresentei a possibilidade de que esta questão da base em Okinawa seja ainda uma consequência disso tudo, Shimoji concordou entusiasmado e disse que “gostaria de criar uma nova estrutura em que okinawanos locais e descendentes ao redor do mundo tenham comunicação”.

Ao perguntar-lhe detalhes sobre como expandir essa rede de comunicação entre os nikkeis, Shimoji respondeu imediatamente que “primeiramente pretendo criar um departamento responsável por relações exteriores na prefeitura e instalar representações, não só em países como São Paulo e Havaí, como também em Taiwan e China”. “Acredito que isso criará uma network com os países estrangeiros e consequentemente facilitará intercâmbios para as crianças e oportunidades de negócios”, completou.

Shimoji ainda enfatizou que quer realizar intercâmbios internacionais que são incomparáveis com até então. “Quero aumentar drasticamente o número de intercâmbios, tanto recebendo em Okinawa os estudantes de outros países, quanto mandando estudantes de Okinawa para outros países como Brasil e Argentina”, acrescentou.

Se isso realmente acontecer, podemos considerar como a retomada da diplomacia do reino Ryukyu, que se equilibrava entre a China (Dinastias Ming e Qing) e o Japão (Xogunato Tokugawa).

A maneira como Shimoji tem se preocupado com a comunidade nikkei, parece que ele quer ir além do antigo paradigma do “povo japonês”, confiando uma parte do futuro do país para a “comunidade japonesa”, que inclui os descendentes residentes fora do Japão.

Espero que Shimoji continue se dedicando nestas questões seguindo esta direção, independentemente de ganhar ou perder esta próxima eleição para governador de Okinawa, e que ele se torne uma figura ainda mais confiável.

Quando ouvi o ex-governador Onaga dizendo na abertura do 5º Festival “bem-vindos de volta a casa” para os descendentes de Okinawa de todo o mundo, lembrei-me das famosas palavras do pesquisador de política internacional, Masataka Kosaka: “a Inglaterra era um país marítimo e o Japão um país insular”, referindo-se ao fato de que apesar das duas nações terem a forte presença do mar, apenas a Inglaterra se abriu para o mundo enquanto o Japão se isolava.

Quem sabe se a partir desta eleição de Okinawa o Japão não mude?

 

Nota: Este artigo foi apresentado para o diretor do Centro de Pesquisa da Imigração Okinawana no Brasil, Akira Miyagi, antes de ser publicado, e reflete muitas de suas valiosas sugestões.

 

© 2022 Masayuki Fukasawa

About the Author

Nasceu na cidade de Numazu, província de Shizuoka, no dia 22 de novembro de 1965. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1992 e estagiou no Jornal Paulista. Em 1995, voltou uma vez ao Japão e trabalhou junto com brasileiros numa fábrica em Oizumi, província de Gunma. Essa experiência resultou no livro “Parallel World”, detentor do Prêmio de melhor livro não ficção no Concurso Literário da Editora Ushio, em 1999. No mesmo ano, regressou ao Brasil. A partir de 2001, ele trabalhou na Nikkey Shimbun e tornou-se editor-chefe em 2004. É editor-chefe do Diário Brasil Nippou desde 2022.

Atualizado em janeiro de 2022

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