Lá pelas 6 horas da tarde, a mãe de Sumie retornou do trabalho. “Oi! Cheguei! E aí, o que é que comprou? As roupinhas de bebê de agora são uma graça, não?” – dizendo isto tratou de levar as compras do supermercado para a cozinha.
Não houve resposta. Então, foi ao segundo andar e encontrou Sumie caída na cama sem sentidos.
No dia seguinte, Sumie despertou no leito de hospital, viu sua mãe e perguntou mostrando-se insegura: “Onde é aqui? O que foi que aconteceu?!” Ela só lembrava que tinha se sentido mal e foi se deitar um pouco.
Cheia de preocupação, a mãe olhou dentro dos olhos da filha e segurou-lhe fortemente a mão. Quando soube que a filha tinha sofrido um aborto, imaginou que nada que dissesse ia consolá-la, mas agora era muito doloroso dizer a verdade.
Fato até comum nos primeiros meses de gravidez, mas que foi agravado por Sumie ter pressão alta e empreendido a viagem sozinha, o que poderia tê-la deixado com algum estresse. Segundo o médico, a paciente não deveria sentir culpa de modo algum.
Sumie ouviu a explicação da mãe, mas não esboçou reação, tão grande o impacto dessa revelação. E de volta para casa, ela se fechou no quarto e, simplesmente, deixou os dias passarem.
O esposo Marco chegou às pressas do Japão, mas ela continuou recusando-se a sair do quarto, dizendo que estava cansada e queria ficar ali quietinha...
Por fim, Marco conversou com os pais de Sumie e ficou resolvido que dali a 4 meses, em março de 2020, ele tiraria uma licença especial para vir buscar a esposa. Até esse tempo chegar, Sumie já teria se recuperado e estaria disposta a retornar ao Japão, lugar que amava e escolhera para viver.
Logo no início de 2020, começaram a circular notícias sobre a propagação do novo coronavírus e não tardou muito para que a insegurança e o medo tomassem conta dos brasileiros.
Como medida de proteção e segurança, Sumie e sua mãe permaneceram na casa da família, enquanto o seu pai alugou um quarto perto do trabalho e a sua irmã foi morar no apartamento de uma colega da faculdade. Até a pandemia ser declarada sob controle, a família pretendia viver separada desta maneira.
Foi então que o avô de Sumie, que morava na cidade vizinha, foi diagnosticado com a Covid-19 e imediatamente hospitalizado, mas veio a falecer em questão de alguns dias. Logo depois, a avó também testara positivo e a família ficou em pânico! Logo os netos se mobilizaram e começaram a fazer origamis de tsuru1: o objetivo era confeccionar sembazuru – mil dobraduras de tsuru – um costume tradicional de pedir pela recuperação de alguém doente.
A iniciativa dos netos teve resultado em dobro! Pois a avozinha melhorou e teve alta duas semanas depois e logo em seguida Sumie, que recuperou o ânimo fazendo origami, gostou tanto que até fez um vídeo para divulgar essa arte. A família também colaborou fazendo muitos tsuru para doar a instituições que abrigam idosos e convalescentes.
No Japão, Marco continuou trabalhando na fábrica ao mesmo tempo que visitava as pessoas de meia idade da região, oferecendo-se para tirar fotos que chamou de “Retratos de Lembranças”, uma forma de retribuir toda a atenção e gentileza da comunidade para com ele.
Em fins de novembro de 2021, Sumie e todos da família estavam com a vacinação completa e se sentiram um pouco mais confortáveis. O passo seguinte foi aguardar a vinda de Marco com ansiedade.
Não sabendo ao certo como ficaria a situação dali para frente, Marco decidiu voltar e ficar um tempo no Brasil. Claro que o sonho de voltar a viver no Japão junto com sua esposa era seu maior desejo.
O tempo que o casal viveu no Japão serviu como uma lição de bem viver. Ambos aprenderam que existem coisas que dinheiro algum compra – a gentileza, a compaixão e a hospitalidade. E eles se sentem tão gratos ao Japão que, um dia, desejam retribuir de forma plena.
E o final de ano foi um tempo especial para toda a família. Embora o Natal tenha sido uma celebração simples, todos sentiram que os laços que os unem estão mais fortes que nunca! Para Sumie e Marco foi a primeira vez que comemoravam em pequeno número, pois lá no Japão o Natal era ocasião para reunir os parentes de Sumie, os colegas de trabalho da fábrica e do salão de beleza, além dos decasséguis conhecidos, o que resultava numa festa barulhenta. Mas agora, de volta ao Brasil, eram somente a família, num clima de carinho e aconchego. Para Sumie foi um momento reconfortante e abençoado.
Entrando no Ano-Novo, Sumie e Marco mudaram-se para a nova casa. Marco arrumou emprego numa corretora de seguro de vida e Sumie estava se preparando para abrir um salão de beleza na própria casa. Mas com a propagação da variante Ômicron em todo o país, ao mesmo tempo que se agrava a epidemia de influenza, ela achou perigoso e preferiu esperar.
É fato que a vida, dentro do possível, está fluindo bem, mas a família toda acalenta um grande sonho. Quando Sumie e Marco retornarem ao Japão, os pais de Sumie pretendem segui-los, pois o pai acabou de se aposentar após 35 anos de serviços numa empresa e se sente com boa disposição para ser decasségui. O noivo da irmã mais nova de Sumie concluiu o MBA na Austrália e pretende uma colocação no Japão. E o pai de Marco deseja conhecer o Japão ao menos uma vez na vida e espera ansiosamente por esse dia.
Que todos realizem seus sonhos!
Nota: 1. Ave sagrada do Japão, símbolo de saúde, felicidade, longevidade, fortuna.
© 2022 Laura Honda-Hasegawa