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Fazendo as Pazes com a Imperfeição: Uma Jornada de Autoconhecimento no Japão

No começo da primavera de 2023, eu cheguei em Tóquio, no Japão, junto com a minha mãe e duas irmãs mais velhas. Por causa das restrições da Covid-19, já haviam se passado três anos desde a nossa última visita, e eu estava super entusiasmada para passear pela cidade.

Sempre que eu tinha a oportunidade de visitar o Japão, eu ficava maravilhada com a variada arquitetura e com todas aquelas lojas que não existem na Califórnia. Eu fiquei apaixonada pelo Japão, muito mesmo. Das comidas de rua às vielas escondidas com as suas lojas de antiguidades, além das belas paisagens—eu adorei tudo. Mas naquela viagem, eu descobri que gostar muito de uma coisa também pode ser algo difícil.

Quando eu viajava para o Japão, eu sempre me sentia um pouco desconfortável, mas nunca foi uma coisa com a qual eu não pudesse lidar. No entanto, nessa última viagem, os meus sentimentos de constrangimento ficaram cada vez mais fortes, a ponto de se tornarem um fardo.

Nos Estados Unidos, eu notava que estava finalmente me sentindo confortável com a minha identidade, mas na hora que eu botava o pé no Japão era como se eu estivesse sendo jogada novamente numa terrível crise de identidade. Minha confiança diminuía durante o meu tempo no Japão—eu ficava prestando demasiada atenção nas minhas habilidades linguísticas e sentia ansiedade de ter que conversar com os locais.

Após a chegada no aeroporto, os meus ojiichan e obaachan vieram nos receber do lado de fora, nos apressando para que colocássemos a nossa bagagem no porta-malas do carrinho deles. Eu consegui murmurar as saudações típicas, como também alguns “obrigados” que provavelmente não foram ouvidos.

No carro, o meu ojiichan iniciou conversas que só poderiam ser descritas como ruídos de fundo para os meus ouvidos, os quais frequentemente se entregavam às palavras do idioma japonês. Durante a viagem inteira de 30 minutos de carro, os meus ouvidos se despertavam ao som de palavras familiares, mas adormeciam quando eu não conseguia seguir o assunto, perdida no meio de inúmeras partículas e conjugações. Por mais cansativo que fosse, eu estava acostumada; era um ciclo familiar no qual eu entrava sempre que botava os pés no Japão.

No entanto, esse ciclo foi facilmente quebrado quando eu me deparei com uma impiedosa funcionária de uma loja de roupas. Apesar de eu ter o hábito de não dizer nada a não ser que alguém falasse comigo e a fazer uso apenas de frases simples e básicas, naquela loja eu me vi forçada a confrontar as diversas habilidades linguísticas que ainda me faltavam.

Quando entrei na loja, desacompanhada, fui recebida com sorrisos radiantes e uma bem-disposta voz de atendimento ao cliente por parte da funcionária da loja de roupas. Dei um sorrisinho como resposta, mas em seguida evitei contato visual para que não fosse abordada. Ao andar pela loja, comecei a me sentir mais à vontade, colocando toda a minha atenção nos estilos dos suéteres, nas texturas das calças e na surpreendente quantidade de cores oferecidas num modelo de camisa, apesar do tamanho pequeno da loja.

No entanto, essa minha absorção nas roupas e o começo da minha calma logo se dissiparam quando a funcionária apareceu, se posicionando a meio metro de mim. Ela era bem mais baixa do que eu, se conduziu de maneira gentil e me deu um sorriso que só poderia ser descrito como cintilante.

Apesar disso tudo, eu fiquei apavorada. Eu me senti ficar paralisada, como se fosse um veado na estrada, com os faróis de carro se aproximando. Rezei para que ela dissesse algo simples; algo que eu pudesse entender, concordar com a cabeça, e continuar com o meu dia sem preocupação. Ao invés disso, eu me deparei com uma enxurrada de palavras que, para mim, eram incompreensíveis. Inclinei a cabeça e olhei para ela, confusa, mas não consegui dizer nada. Eu estava paralisada. Ela franziu as sobrancelhas e repetiu as mesmas palavras, mas a sua voz exageradamente doce foi substituída por outra mais forte, com tons de irritação.

A ansiedade tomou conta do meu corpo, começando pelas minhas mãos. Eu senti as minhas palmas começarem a suar e a tremer ao som de palavras familiares mas indecifráveis. Então, foi a vez do meu rosto. Senti ficar quente de vergonha ao ver a funcionária me encarar enquanto tentava disfarçar, sem nenhum sucesso, o seu olhar irritado. Por último, foi a minha voz. Senti a minha respiração acelerar, e as palavras agoniadas que murmurei para a funcionária saíram como sons sem pé nem cabeça. Antes de esperar pela reação dela aos meus murmúrios, eu me desculpei rapidamente e, com o olhar cabisbaixo, saí a passos acelerados da loja.

Com o passar dos dias durante aquela minha estada no Japão, o ocorrido ficou marcado na minha mente, se repetindo sempre que havia uma ausência de outros pensamentos. Em geral, essa memória repetitiva vinha acompanhada por outros pensamentos:

“Quem dera eu tivesse aprendido japonês quando era mais jovem” e “Como é que a conexão com a cultura parece ser tão mais fácil para os outros?”

Minha experiência no Japão se cravou no meu subconsciente, e passei a me sentir perdida, confusa e isolada. O fato de eu ter crescido como alguém da segunda geração do lado da minha mãe e da quarta geração do lado do meu pai gerou uma inesperada lacuna na minha capacidade de me conectar com a minha herança cultural.

Eu tinha a capacidade interna de entender os gestos e maneirismos japoneses, mas eu sempre acabava descobrindo que estes nunca poderiam me guiar o suficiente numa conversa antes dela terminar de forma abrupta e prematura. Eu frequentemente me sentia como uma impostora; eu tenho rosto de japonesa e maneirismos culturais japoneses—no meu modo de me comportar e de me expressar—mas na hora que tomo parte numa conversa surge uma flagrante desconexão.

Conseguir me conectar com a minha herança cultural é algo que, com toda a honestidade, tem sido difícil e profundamente solitário para mim. No entanto, ao lidar com a minha identidade nipo-americana descobri que é possível ter tanto amor quanto medo de uma coisa, e que quanto mais você aprende a amar uma coisa, menos você tem medo dela. Essa foi uma lição que aprendi quando retornei da minha viagem ao Japão.

Ironicamente, foi a existência do meu medo e do desespero de me apaixonar pelo idioma que me levou um dia a entrar numa livraria para comprar um livro de japonês. Foi a maneira impulsiva desse ato que fez com que tudo aquilo com o que eu estava lidando se tornasse muito mais leve.

Desde então, venho redescobrindo todos os tons e construções de frases que eu conhecia há muitos anos atrás, mas que havia perdido em algum lugar à medida que fui amadurecendo. Apesar de saber que não vou chegar à perfeição tão cedo, eu aprendi a me sentir confortável em me aprofundar numa coisa que no passado eu sempre associava ao medo. Essa minha jornada imperfeita e difícil com a minha herança cultural não é exposta com frequência.

É por essa razão que quero dar voz à minha experiência, mesmo que seja apenas em pequenas doses. Minha experiência não é convencional ou agradável, mas é minha; e apesar de tudo sinto que essa jornada tem sido gratificante.

 

© 2023 Lauren Rise Masuda

identidade Japão
Sobre esta série

Nuestro tema para la 12.° edición de Crónicas Nikkei —Creciendo como Nikkei: Conectando con nuestra Herencia— pidió a los participantes que reflexionaran sobre diversas preguntas, tales como: ¿a qué tipo de eventos de la comunidad nikkei has asistido?,¿qué tipo de historias de infancia tienes sobre la comida nikkei?, ¿cómo aprendiste japonés cuando eras niño?

Descubra a los Nikkei aceptó artículos desde junio a octubre del 2023 y la votaciónde las historias favoritas cerró el 30 de noviembre del 2023. Hemos recibido 14 historias (7 en inglés, 3 en español, 5 en portugués y 0 en japonés), provenientes de Brasil, Perú y los Estados Unidos, con uno presentado en varios idiomas.

¡Muchas gracias a todos los que enviaron sus historias para la serie Creciendo como Nikkei!

Hemos pedido a nuestro comité editorial que seleccionara sus historias favoritas. Nuestra comunidad Nima-kai también votó por las historias que disfrutaron. ¡Aquí están sus elegidas!

(*Estamos em processo de tradução das histórias selecionadas.

 

A Favorita do Comitê Editorial


Escolha do Nima-kai:

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*Esta série é apresentado em parceria com:

     

 

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Design do logotipo: Jay Horinouchi

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About the Author

Lauren Rise Masuda é uma jovem escritora cursando o último ano da South High School em Torrance, na Califórnia. Sendo uma nipo-americana da segunda e da quarta geração, ela espera poder oferecer uma perspectiva cultural única nos seus textos. Ao fazer uso das suas experiências pessoais, ela tem como objetivo expor as complexidades da identidade cultural, como também a beleza em torno desta, a qual frequentemente passa despercebida. Além de escrever, ela tem interesse na área das artes criativas e passa boa parte do seu tempo costurando, desenhando ou lendo.

Atualizado em outubro de 2023

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