A estudante do ensino médio Toshie e seu colega Ivan se casaram e 5 meses depois nasceram as gêmeas Karen e Karina. Ivan, na época com 19 anos, desistiu de fazer faculdade e tentou vários empregos: foi caixa de supermercado, vendedor numa loja de autopeças, motorista de táxi. Mas como a vida estava difícil, ele foi ser decasségui no Japão, deixando a família no Brasil.
Karen e Karina cresceram saudáveis e quando estavam com 3 anos de idade, Toshie foi foi para o Japão levando as duas. Ela nunca tinha trabalhado até então, mas como arrumou emprego na mesma fábrica de seu marido, a sua mãe – que ajudava no bar e restaurante da família – precisou ir junto para tomar conta das netas.
Dois anos e meio depois, Toshie deu à luz um menino, mas o pós-parto foi complicado e ela precisou permanecer mais tempo internada. Seu marido tirou licença para ficar com ela no hospital, enquanto a Batchan1 cuidava das meninas que tinham entrado na escola e do bebê, além de fazer todo o trabalho doméstico.
Mas como Toshie demorava para se recuperar totalmente, a família aproveitou as férias de inverno de Ivan e foram todos para o Brasil.
E no dia 24 de dezembro a família de Toshie foi recebida com uma alegre e animada festa de Natal preparada pelos parentes. As gêmeas, que tinham deixado o Brasil bem novinhas, foram paparicadas pelos avós dos dois lados, ganharam uma porção de presentes e, junto com o irmãozinho de 10 meses, brincaram felizes.
Na passagem do ano, os pais de Toshie alugaram uma casa na praia, convidaram 15 parentes e festejaram a chegada do ano-novo. Toshie ficou muito emocionada ao lembrar que, quando estudante, em vez de passar o réveillon junto com a família reunida, ela preferia se divertir em festas na companhia de colegas e amigos. Ela nunca havia elogiado a comida que sua mãe fazia com tanto capricho. Mesmo assim, a mãe deixou de ajudar nos negócios da família para ir junto com ela ao Japão e estava sendo de grande ajuda. Seu desejo era expressar gratidão à mãe, mas faltaram-lhe palavras.
Ivan retornou ao Japão no dia 6 de janeiro e, como o aniversário da Batchan era no dia 17 do mesmo mês, ela quis comemorar com todos os parentes e só depois retornaria ao Japão com a filha e os netinhos.
Porém, uma semana antes, de repente Karen disse: “Brasil é melhor, eu quero ficar aqui para sempre. Vou poder ir à escola com a Mariana e o Rafa, nadar na piscina da casa da tia, comer pastel de feira sempre”.
No começo Toshie pensou ser um simples capricho de criança, mas a pergunta que lhe fez a outra filha, Karina, deixou-a bastante apreensiva: “Mamãe, na escola do Brasil também tem bullying?”.
“Karina, por que você pergunta isso? Você está querendo dizer que a sua irmã sofreu bullying na escola? É isso?”.
Como Karina não respondeu, Toshie foi ficando cada vez mais preocupada e começou a relembrar fatos recentes. O nascimento de seu filho, ela precisando continuar internada, seu marido faltando ao trabalho para fazer-lhe companhia no hospital – nesse intervalo de tempo, o que aconteceu com as filhas, principalmente a Karen? A Karina, alegre por natureza, festejou a chegada do irmãozinho, mas a Karen ficou tristonha, parece que até andou faltando às aulas.
Nessa noite, ela telefonou para Ivan: “A Karen diz que não vai voltar ao Japão”.
Ao que o marido respondeu como se fosse algo normal para uma criança: “Não está bom assim? Vamos deixar ela viver sem preocupação, bem relaxada, fazendo o que gosta”.
Na verdade, para Toshie o trabalho na fábrica era tão estafante que ela tinha deixado a responsabilidade pela educação das filhas nas mãos da Batchan, mas agora ela reconhecia sua falha e estava arrependida. Junto com sua mãe, ela conversou bastante com as filhas sobre voltar ou não ao Japão e, por fim, ficou decidido que elas iriam permanecer no Brasil.
A Batchan concordou na hora! Ela queria voltar a trabalhar no bar e restaurante que seu marido administrava e continuar mais 3 ou 4 anos. As gêmeas estudariam pelo menos até o 4º ano do ensino fundamental no Brasil e continuariam os estudos no Japão.
Toshie se dedicou às tarefas domésticas a que não estava acostumada, indo às compras e acompanhando a educação das filhas; Jitchan e Batchan passaram tempos preciosos com as netas e o netinho. Dali a 4 anos, elas e Jitchan iriam se juntar a Ivan no Japão e viveriam todos juntos. Era o objetivo de vida de Toshie.
Então, até esse dia chegar, tinham que viver da melhor forma possível!
Nota:
1. Maneira carinhosa de se referir a (1) avó, vovó e (2) avô, vovô
© 2019 Laura Honda-Hasegawa