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Ayumi Takenaka: “A cozinha nikkei nasceu no Peru, apesar de não termos uma definição exata”

“O que é a cozinha Nikkei?” parece uma pergunta simples, mas na verdade pode esconder uma definição mais complexa, até mesmo para os próprios nikkeis.

Ayumi Takenaka é uma socióloga japonesa com um profundo interesse pela cozinha nikkei do Peru. Durante dez anos, a Dra. Takenaka entrevistou as principais figuras da culinária nikkei participou de feiras gastronômicas da comida< peruana e nikkei; experimentou o cardápio nikkei de restaurantes gourmet no Peru, Estados Unidos, Espanha e Grã-Bretanha; e viajou constantemente ao Peru. Tudo isso com o intuito de responder a pergunta inicial: “o que é a cozinha nikkei?”

Na sua mais recente visita ao Peru, o jornal Peru Shimpo conversou com a Dra. Ayumi Takenaka, que está em Lima por alguns dias para coletar informações e testemunhos.

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PROJETO DE PESQUISA

Qual é o tema da sua pesquisa?

A história da cozinha nikkei do Peru.

Quando você deu início à sua pesquisa?

Faz uns dez anos. Mas não comecei investigando a comida nikkei, e sim a imigração e a diáspora. Na verdade, eu não tinha nenhum interesse ou conhecimento sobre a comida peruana até quando eu viajei ao Peru pela primeira vez em 1996.

Naquela viagem, eu estava pesquisando sobre a imigração japonesa e a comunidade nikkei quando me dei conta que tudo isso tinha muito a ver com a comida.

Qual foi a relevância da comida para o seu estudo sobre a imigração?

Alguns saataa andaagii ou donuts de Okinawa. Dizem que um saataa andaagii fica no ponto quando ganha essa aparência imperfeita ao fritar porque parece que está “florescendo”.

Porque a comida é algo tangível, que a gente pode ver, tocar, comer e sentir diretamente. É mais fácil para as pessoas expressarem as suas experiências, a sua história pessoal, a sua identidade e emoções através da comida.

Quando eu entrevistei imigrantes peruanos, sempre surgia o tema da comida e da saudade da comida caseira. Isso me fez pensar sobre o significado que a comida tem.

Por que você se concentrou na cozinha nikkei?

Faz uns dez anos, eu estava em Nova York e Londres e já se ouvia falar da gastronomia peruana, e a comida Nikkei estava na moda.

Nos restaurantes gourmet decomida peruana no exterior, eles sempre incluem pratos nikkeis no seu cardápio, como o [prato de fusão peruano] causa nikkei, ceviche nikkei , maki nikkei e tacu-tacu nikkei. Gostei de tudo, e isso despertou ainda mais a minha curiosidade.

E por que você escolheu o Peru?

Por vários fatores. Um deles é o fenômeno dos decasséguis.

Eu tinha conhecido alguns peruanos, a maioria nikkeis que trabalhavam no Japão como decasséguis. Eu fiquei tão interessada no estudo do fluxo dos decasséguis ao Japão que tive que primeiro procurar conhecer a história da imigração.

Foi assim que eu decidi viajar para o Peru, onde aprendi sobre a cozinha peruana e a cozinha nikkei.

Outros fatores foram a população nikkei, que é mais numerosa no Peru, e o idioma, já que eu sabia falar espanhol. Eu tinha aprendido no México e na Espanha.

Esta pesquisa já tem data de publicação prevista?

Como eu estou coletando informações e venho trabalhando em vários projetos, sendo a cozinha nikkei um deles, não tenho uma data definida.

Apesar de alguns artigos já terem sido publicados, a minha meta é publicar um livro sobre a história da cozinha nikkei e espero que isso se torne realidade nos próximos dois anos.


DEFINIÇÃO DA “COZINHA NIKKEI”

Como você define a cozinha nikkei?

Dizem que a cozinha nikkei é basicamente uma fusão da comida peruana com a comida japonesa. Na verdade, existem várias definições e todas são válidas, já que depende de cada pessoa e da [sua perspectiva]. Além das famílias e chefs nikkeis, existem outros personagens principais, como os chefs não-nikkeis; os experts culinários; os jornalistas; os governos do Peru e do Japão, os quais têm a sua própria definição; a comunidade nikkei e as suas instituições e atividades, como a APJ [Asociación Peruano Japonesa], o [festival gastronômico] Gochiso Peru, etc. São diferentes fatores e personagens, cada qual com os seus interesses próprios.

Um combinado [prato misto] de Ricardo Kanegusuku, que ficou famoso pelos seus combinados. Atraiu até mesmo a atenção de um canal japonês (NHK). Um prato combinado consiste de diferentes tipos de comida em um único prato, como se fosse um buffet. É um prato criollo, mas no passado era servido nas antigas pousadas japonesas de Lima. Esse prato inclui arroz chaufa [arroz frito], talharim verde e causa (purê de batata em estilo de salada) e eu adorei. Seu tempero me faz lembrar o tempero do meu obá.

Um tema que me interessa conhecer mais é como os diversos personagens definem essa cozinha.

O que você acha da cozinha nikkei?

Eu gosto. Gosto muito. Eu a vejo como comida peruana com um toque japonês. É um pouco mais saborosa, mais temperada; tem pimenta e molhos. Eu gosto de comida picante.

E da cozinha peruana?

Um incomparável lomo saltado da Domo Saltado, com banana e ovo frito. Segundo a manchete de um jornal, Doomo é o restaurante que aperfeiçoou este prato crioulo.

Gosto, em geral, apesar do sabor ser um pouco forte e de alguns pratos serem pesados para digerir.

A cozinha nikkei peruana está se afastando ou se aproximando da cozinha japonesa?

Está se afastando. Não é a mesma coisa, apesar de também ser difícil definir o que é a comida japonesa, já que tem toda uma variedade. A comida nikkei é diferente da que estamos acostumados no Japão, mas eu gosto das duas versões.

Acevichado maki é uma versão diferente do sushi japonês, mas é uma versão interessante que eu também acho saborosa.

Além do Peru, você já visitou outros países da América Latina?

Já viajei cinco vezes ao México, duas vezes à Venezuela. Fui também no Chile e na Costa Rica.

Cada país tem a sua própria versão dacomida nikkei?

Certo. Por exemplo, o acevichado não é consumido no Brasil e o teriyaki é muito popular nos Estados Unidos. Cada versão usa ingredientes locais e varia na maneira que eles são combinados, mas em todas as versões são obrigatórios o shoyu (molho de soja), os ohashi (pauzinhos) e o gohan (arroz). Uma semelhança seria o uso dos termos. Também existem diferenças, mas ainda não tenho informações suficientes para poder responder esta questão.

Existe alguma versão mais parecida com a cozinha japonesa?

Encontrei maiores semelhanças com a cozinha chamada “Japanese American” (JA) dos Estados Unidos do que com a cozinha nikkei do Peru, porque a influência cultural americana é maior no Japão.

A cozinha nikkei dos Estados Unidos, a “JA”, usa principalmente teriyaki, ou molho à base de açúcar, e shoyu nos legumes e peixes, e eles chamam isso de cozinha nikkei .

A cozinha peruana, por sua vez, está mais distante da comida tradicional japonesa, já que tanto culturalmente quanto geograficamente o Peru é um país mais longe do Japão. As duas culturas opostas são então combinadas. Isso é interessante.

Então, seriam os Estados Unidos o berço da cozinha nikkei ?

Eu acho que o conceito de comida nikkei nasceu aqui no Peru, já que no resto do mundo a fusão da cozinha japonesa com a cozinha peruana é conhecida como cozinha nikkei, e não como “cozinha japonesa [combinada] com cozinha americana” ou “cozinha japonesa com cozinha mexicana”.


O CASO DA CHIFA

A chifa é hoje considerada algo propriamente peruano, apesar de ter origem chinesa. Você acha que pode acontecer o mesmo com a cozinha nikkei?

Bentô no estilo de Okinawa, com osushi, katsu de frango (filé de frango empanado com panko), tempura de batata doce (empanada), kamaboko, konnyaku (konjac), sanmainiku (barriga de porco), alga kombu, feijão verde, tofu, inarizushi (pastel de tofu frito com arroz) e iricha (refogado de nabo seco).

Eu acho que isso já vem acontecendo, que a cozinha nikkei está se afastando do conceito da cozinha japonesa e já faz parte da gastronomia peruana.

A comida sempre evolui, incluindo a comida japonesa, e isso se vê nos makis, por exemplo. A mudança é um processo normal.

Fala-se do boom da culinária nikkei. Por que não aconteceu o mesmo com a chifa?

Acho que tem a ver com o status e a imagem de promoção, entre outros fatores. Uma teoria é que a cozinha japonesa passa a imagem de comida saudável e tem espaço no mercado gourmet global.

Se o conceito da comida nikkei ainda é impreciso até mesmo entre os nikkeis, que referência os chefs estrangeiros usam no preparo dos pratos nikkeis?

Eles entendem comida nikkei como uma fusão da cozinha japonesa com a cozinha peruana. Esta seria a referência.

Acho que isso se deve em grande parte à popularidade da cozinha peruana no exterior e à promoção da cozinha nikkei como parte da comida peruana, como também ao aumento do número de restaurantes peruanos no exterior, os quais incluem a comida nikkei no seu cardápio.

A “ comida nikkei ” é diferente da “ comida dos nikkeis”?

Isso também depende de como se define cada conceito. A comida caseira nikkei não é conhecida dessa maneira no exterior, mas sim a versão gourmet.

Um prato comida nikkei, por exemplo, custa 20 dólares em restaurantes de luxo, e esse mesmo prato não é parecido com o que comiam os primeiros imigrantes japoneses no Peru. Eu me perguntei: “a comida nikkei teve origem nos lares nikkeis?”

Eles me ofereceram uns tempuras de verduras preparados por uma senhora nikkei de uns 70 anos de idade. O tempura de Okinawa tem uma camada de farinha mais grossa. Em geral, os nikkeis no Peru costumam prepará-los dessa forma em casa, no estilo de Okinawa.

Esta é outra pergunta que eu pretendo responder neste trabalho de investigação.

Qual é a comida nikkei que você não gostou?

Gostei de tudo, mas se tivesse que escolher um seria um maki que viesse com maionese demais. Comprei um numa barraca de shopping, que fazem “makis rápidos”. Isso já tem cinco anos.

E a que você mais gostou?

O meu prato favorito é o tacu-tacu [mistura de arroz com feijão peruano], e também gosto de olluquito ;[um tipo de batata andina] e dos pratos feitos com batata amarela, já que são ingredientes que não são encontrados no Japão ou, pelo menos, eu nunca os provei por lá.


SUA ESTADA NO PERU

Como foi a sua primeira viagem ao Peru?

Foi em 1996. Vim sozinha já sabendo o idioma, mas sem ter nem conhecidos nem contatos no Peru. Os primeiros que tive foram através de uns amigos que eu tinha conhecido no Japão. Quando viajei ao Peru, já estava fazendo doutorado na Universidade de Columbia.

Quando você vem ao Peru, quanto tempo fica?

Já vim ao Peru várias vezes e a minha estada tem sido de dois a três meses, sendo a estada mais longa de seis meses, que foi quando vim pela primeira vez.

Qual é a sua maior dificuldade no Peru?

A mobilidade. Dessa vez não foi fácil circular livremente para qualquer lugar e a qualquer hora. O sistema de transporte público não é muito eficiente; não posso tomar qualquer táxi na rua e não posso ir sozinha no centro de Lima.

E o que acabei de dizer está relacionado à outra dificuldade, que é a segurança.

Eu me lembro de ter sido assaltada na primeira vez que vim. Naquele dia teve um jogo importante [de futebol] e eu tinha acabado de passar por um grupo com o aspecto "barra-pesada", e me roubaram. E na última vez que fui a Gamarra, dois amigos, um nikkei e outro não- nikkei, me acompanharam carregando um taco de baseball enquanto eu andava entre os dois. Eu saio sozinha para fazer as minhas pesquisas e tem lugares em Lima onde não me sinto segura. Mas apesar da dificuldade, tive experiências agradáveis e por isso continuo vindo ao Peru.

Você gosta do idioma espanhol?

Gosto muito, muito, muito [enfatizou]. Eu sempre tive interesse pela língua espanhola e pela cultura latino-americana.

Já viajei cinco vezes ao México; passei três meses em Tijuana e um mês em Guanajuato. E [já fui] cinco vezes à Espanha, onde passei seis meses.

A razão da minha viagem para os dois países foi em primeiro lugar para estudar a língua, e depois para [fazer] pesquisa, simpósio e visita [turismo].

No México e na Espanha foi onde aprendi espanhol, antes de vir ao Peru em 1996.

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SE DIZ OKASHI?

Okashi feito pela Tsukayama, uma família que há várias décadas se dedica ao preparo e venda do macarrão sobá, okashi e pratos de Okinawa em Lima. A Dra. Takehara compartilhou comigo alguns doces okashi que ela havia recebido de presente do nissan Tsukayama.

Um dos termos culinários nikkeis mais conhecidos é “okashi”.

Durante a entrevista, a Dra. Takenaka tinha nas suas mãos uma caixa de doces japoneses, como moti daifuku, dorayaki [panqueca japonesa] e outros deliciosos okashi, como nós, nikkeis, os chamaríamos.

Mas o que mais lhe chamou a atenção foi o nome. “No Japão não dizemos okashi.”

Para os nikkeis, okashi se refere aos doces tradicionais japoneses, que os japoneses chamam de wagashi.

O wagashi é preparado com ingredientes naturais, de origem não animal (não contêm leite) e são frescos (não contêm conservantes). Essas características são justamente as que possuem os okashi preparados pelos nikkeis.

“Eu nunca vi o okashi nikkei no Japão. Acho que poderíamos chamar isso de 'wagashi nikkei'”, ela disse no final.

Croyaki, uma variedade crocante do popular taiyaki [bolinho em formato de peixe], com recheio de carne. Comprei na Goemon, um estabelecimento nikkei em Lima.

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AYUMI TAKENAKA

Socióloga japonesa, com doutorado pela Universidade de Columbia (Estados Unidos), e especialização em assuntos relacionados à imigração, diáspora e culinária, com destaque especial ao Peru. Atualmente, é professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Hitotsubashi (Japão). Ela é fluente em espanhol e inglês, além da sua língua materna, o japonês.

A Dra. Ayumi Takenaka tem como foco o grupo étnico latino, especialmente a comunidade peruana, por se tratar de uma comunidade migrante presente em diversos países.

 

*Este artigo foi publicado originalmente no jornal Peru Shimpo, edição impressa, em 13 de agosto de 2023.

 

© 2023 Milagros Tsukayama Shinzato

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About the Author

Sansei, cujos avós paternos e maternos vieram da cidadezinha de Yonabaru, em Okinawa. Atualmente ela trabalha como tradutora freelancer (inglês / espanhol) e blogueira do site Jiritsu,, onde compartilha temas pessoais e sua pesquisa sobre a imigração japonesa ao Peru, além de tópicos relacionados.

Atualizado em dezembro de 2017 

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