Conheceu as artes marciais por meio de seu pai que praticava judo e começou a treinar com 10 anos de idade. Conquistou o diploma de faixa preta no Brasil e teve a incrível oportunidade e a experiência de fazer treinos, seminários e estágios em Okinawa, onde recebeu a diplomação de professor pela Associação Okinawa.
Depois, recebeu ainda o diploma de 7º dan da faixa preta (professor sênior) e título de shihan (mestre) em Okinawa.
Esta é a trajetória de Flavio Vicente de Souza, 43 anos, bombeiro da Polícia Militar do Estado de São Paulo que hoje é presidente da associação Okinawa Shorinryu Karatedo Jyureikan e Kobudo Jinbunkai do Brasil.
O mestre em karate e kobudo de Okinawa conta sobre essas artes e o interesse e a prática por brasileiros.
Kobudo e o Karatedo
O karate (“caminho das mãos livres”) e kobudo (“arte marcial ancestral”) surgiram em Okinawa quase na mesma época por causa da lei que proibia a posse de armas no reino de Ryukyu (antigo nome de Okinawa), com o objetivo de restaurar a paz e a prosperidade na região.
Os camponeses e pescadores ficaram sem defesa contra os samurais japoneses e outras classes da elite, já que eram os únicos com porte de armas. Além disso, também eram atacados por piratas e bandoleiros. Foi neste momento que a população começou a somar os conhecimentos das artes de luta da China com as ferramentas agrícolas e de pesca usadas em seu dia a dia. Assim, surgiu o Ryukyu Kobudo.
As armas mais comuns do kobudo são o bo (bastão de 1,80 a 2 metros), a tonfa (bastão de defesa pessoal) e nunchaku (arma de dois bastões pequenos interligados em uma das pontas por uma corda ou corrente).
No Okinawa Kobudo os nomes das posições de perna e golpes são os mesmos usados no karate. O karate tradicional é o de competição que tem foco em treino para pontuação em campeonatos. Já a modalidade originária de Okinawa – também conhecida como karate tridimensional, em que se treinam a mente, o espírito e o físico – tem foco na defesa pessoal e pode ser considerada como um estilo de vida.
A prática no Brasil
A tradição do karate foi trazida pelos pioneiros imigrantes em 1908, mas o treino era realizado somente dentro das antigas colônias japonesas. O primeiro professor a criar uma academia de karate (dojo) no Brasil foi Mitsuke Harada, no centro de São Paulo, em 1956. Mais tarde, surgiram em outros estados e a arte marcial logo ganhou diversos adeptos.
A primeira associação oficialmente registrada foi a ABK (Associação Brasileira de Karatê) que tinha como líder Shikan Akamine que também foi o precursor do kobudo no Brasil. Assim, outros mestres seguiram o exemplo de Harada e Akamine e criaram novas associações de karate, como o mestre Yoshide Shinzato.
Tanto o karate quanto o kobudo foram criados para todos os públicos, mas principalmente como um estilo de vida equilibrado que prima pela cortesia, respeito, humildade, desenvolvimento do caráter, controle do espírito de agressão e diversas outras qualidades que o praticante ganha ao longo de anos de treino. Por isso, em Okinawa essas artes são consideradas um tesouro cultural.
“Nossa preocupação é de manter o karate tradicional de Okinawa e não esquecer sua origem e objetivos. No Brasil, principalmente, é de grande importância por ser uma atividade física e arte marcial que ensina crianças e jovens a ter uma formação de um bom caráter, com princípios éticos para formar uma sociedade do bem.” Por isso, a associação Okinawa Shorinryu Karatedo Jyureikan e Kobudo Jinbunkai do Brasil está filiada diretamente a Okinawa, com que mantém um intercâmbio direto e tem o objetivo de “formar campeões para vida e não só para competições”.
No Brasil, a prática “infelizmente” é voltada somente para competições, sem levar tanto em consideração os princípios das artes marciais. Souza acredita que 60% dos dojo estão preocupados em formar campeões para torneios.
Já no Japão a prática é direcionada ao desenvolvimento mental, espiritual, físico e à defesa pessoal.
“Uma arte para a vida toda”
“Fiquei interessado no karate pela filosofia, cultura e principalmente pelo método de defesa pessoal. Na época [quando era criança e começou a treinar] eu era muito fraquinho e sempre apanhava da molecada [risos] na escola. Então o karate me fez ter autoconfiança!” Para o mestre, é “uma arte para a vida toda”.
O karate e kobudo são artes marciais que surgiram no Japão e foram divulgadas para o mundo inteiro. Atualmente, a maior parte dos praticantes são estrangeiros.
Apesar disso, o professor conta que no Brasil sofreu um pouco de preconceito quando foi indicado por Okinawa para ser presidente da associação com o objetivo de promover o karate e o kobudo nas associações de províncias japonesas (kenjinkai) e dentro da comunidade nipo-brasileira, como os mestres percussores faziam na década de 1960.
Mais tarde, por causa de viagens ao Japão, inclusive a Okinawa, especializou-se na cultura e também no japonês. Souza queria mostrar a importância da prática do karate e manter a tradição da arte marcial. “Em Okinawa os estrangeiros (gaijin) que fazem este tipo de trabalho têm um grande apoio, respeito e admiração”, explica.
O perfil dos praticantes brasileiros
Antes dos anos 1950, a prática do karate e até mesmo do judo só acontecia dentro da comunidade nipo-brasileira. Depois, na época de 1960 até 1970, 50% dos praticantes eram nikkei.
Alguns mestres pioneiros como Akamine e Shinzato abriram a oportunidade de não descendentes poderem praticar o karate. Com isso, a arte marcial começou a ser conhecida e propagada no Brasil. Nos Estados Unidos, na Europa e América Latina houve um fenômeno bem semelhante.
No caso do Brasil, a maioria dos descendentes era obrigada a treinar uma arte marcial e muitos faziam por obrigação e, por isso, quando se tornava maior de idade desistia. Outros treinavam até conseguir a faixa preta ou paravam quando entravam na faculdade.
Hoje, no estado de São Paulo existem cerca de 340 mil praticantes e no Brasil todo chega a quase um milhão, contando-se variadas federações e estilos. A Federação Mundial de Karatê (World Karate Federation – WKF), reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), estima aproximadamente 50 milhões de karatecas em todo o mundo.
No Brasil, 70% são homens e 30% mulheres, além disso, cerca de 15% são nikkei (na maioria das academias de karate este número de chega a 3% do total) e 85% de não descendentes. Mas no dojo onde Souza dá aulas há 20% de nikkei pelo fato de a associação ter uma parceria com a Associação Okinawa Kenjin do Brasil.
“O brasileiro gosta muito de arte marcial principalmente pelos princípios de disciplina e cultura japonesa!”, finaliza o professor admirador e seguidor do karate de Okinawa.
© 2017 Tatiana Maebuchi